domingo, 6 de janeiro de 2013

Prisão de Cecília Meireles


Prisão

Nesta cidade quatro mulheres estão no cárcere.
Apenas quatro.
Uma na cela que dá para o rio, outra na cela que dá para o monte, outra na cela que dá para a igreja e a última na do cemitério ali embaixo.  Apenas quatro.

... Quarenta mulheres noutra cidade, quarenta, ao menos, estão no cárcere.
Dez voltadas para as espumas, dez para a lua movediça, dez para pedras sem resposta, dez para espelhos enganosos.
Em celas de ar, de água, de vidro estão presas quarenta mulheres, quarenta ao menos, naquela cidade.

Quatrocentas mulheres, quatrocentas, digo, estão presas:cem por ódio, cem por amor, cem por orgulho, cem por desprezo em celas de ferro, em celas de fogo, em celas sem ferro nem fogo, somente de dor e silêncio. Quatrocentas mulheres, numa outra cidade,quatrocentas, digo, estão presas.

Quatro mil mulheres, no cárcere, e quatro milhões – e já nem sei a conta, em lugares que ninguém sabe, estão presas, estão para sempre sem janela e sem esperança, umas voltadas para o presente,
outras para o passado, e as outras para o futuro, e o resto –  o resto, sem futuro, passado ou presente,
presas em prisão giratória, presas em delírio, na sombra, presas por outros e por si mesmas, tão presas que ninguém as solta, e nem o rubro galo do sol nem a andorinha azul da lua podem levar qualquer recado à prisão por onde as mulheres se convertem em sal e muro.
 
Cecília Meireles