sexta-feira, 22 de julho de 2011

Papos - Luís Fernando Veríssimo

- Me disseram...
- Disseram-me.
- Hein?
- O correto é "disseram-me". Não "me disseram".
- Eu falo como quero. E te digo mais... Ou é "digo-te"?
- O quê?
- Digo-te que você...
- O "te" e o "você" não combinam.
- Lhe digo?
- Também não. O que você ia me dizer?
- Que você está sendo grosseiro, pedante e chato. E que eu vou te partir a cara. Lhe partir a cara. Partir a sua cara. Como é que se diz?
- Partir-te a cara.
- Pois é. Parti-la hei de, se você não parar de me corrigir. Ou corrigir-me.
- É para o seu bem.
- Dispenso as suas correções. Vê se esquece-me. Falo como bem entender. Mais uma correção e eu...
- O quê?
- O mato.
- Que mato?
- Mato-o. Mato-lhe. Mato você. Matar-lhe-ei-te. Ouviu bem?
- Pois esqueça-o e pára-te. Pronome no lugar certo e elitismo!
- Se você prefere falar errado...
- Falo como todo mundo fala. O importante é me entenderem. Ou entenderem-me?
- No caso... não sei.
- Ah, não sabe? Não o sabes? Sabes-lo não?
- Esquece.
- Não. Como "esquece"? Você prefere falar errado? E o certo é "esquece" ou "esqueça"? Ilumine-me. Me diga. Ensines-lo-me, vamos.
- Depende.
- Depende. Perfeito. Não o sabes. Ensinar-me-lo-ias se o soubesses, mas não sabes-o.
- Está bem, está bem. Desculpe. Fale como quiser.
- Agradeço-lhe a permissão para falar errado que mas dás. Mas não posso mais dizer-lo-te o que dizer-te-ia.
- Por que?
- Porque, com todo este papo, esqueci-lo.

Fonte:VERÍSSIMO, Luís Fernando. Comédias para se ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p.65.
 
 
Questões: 
Esse texto de Luis Fernando Veríssimo trata, de forma humorística, da adequação ou não, por parte dos falantes, no uso da colocação pronominal. Qual parece ser a intenção do cronista ao tratar desse assunto?

Quando um dos interlocutores do texto afirma que é “disseram-me” e não “me disseram”, está fazendo referência a uma das regras da gramática normativa para a colocação pronominal.
De que regra trata a correção feita no texto?
Em uma conversa informal, como é o caso do texto transcrito, essa correção é adequada? Justifique sua resposta.

Quando um dos interlocutores afirma que “pronome no lugar certo é elitismo”, traz à tona uma interessante discussão sobre o uso da colocação pronominal segundo as regras da norma culta. Na sua opinião, que relação existe entre norma culta e elitismo?


Fonte Adaptada: ABAURRE, PONTARA, FADEL. Português – Língua, literatura, produção de texto. Vol 2, Ed. Moderna, p. 140.
 
 

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Escrever (apenas) dentro das normas realmente é o mais importante?

A mais burra e menos criativa das gerações


Gilberto Dimenstein (2008a),  jornalista atento às questões que envolvem a educação brasileira, comenta o fato de o mercado de trabalho exigir candidatos com competências que extrapolem os conhecimentos básicos da área, ou seja, profissionais que saibam propor saídas e demonstrem criatividade na resolução dos problemas. Segundo informa, no ano de 2007, empresas como Microsoft, Natura e Unilever não preencheram as 2.500 vagas de estágio disputadas por  87.000 universitários ou recém-formados, motivadas principalmente pela dificuldade que apresentaram em expor criativamente uma ideia e não pelo fato de não saberem escrever corretamente um texto segundo as normas gramaticais do idioma. E, explicitando que na visão da psicóloga responsável pela aplicação dos testes em 2007 o maior responsável por essa inadequação seria a ação nociva da internet, cita o livro A mais burra das gerações: como a era digital está emburrecendo os jovens americanos e ameaçando nosso futuro, do norte-americano Mark Bauerlein, cuja tese central é a de que as tecnologias digitais permitem que os jovens passem ainda mais horas do dia trocando informações com seus pares, o que, consequentemente, diminui o tempo de intermediação com os adultos (# ou com pessoas que saibam mais e melhor) nos processos de aprendizagem.
Fonte: Educativa , Goiânia, v. 12, n. 2, p. 265-277, jul./dez. 2009.


# frase minha.

Fica então uma proposta de reflexão.

sábado, 9 de julho de 2011

Os escritores e a Gramática I



Meu professor de análise sintática era o tipo do sujeito inexistente.
...
Um dia, matei-o com um objeto direto na cabeça.
Paulo Leminski, "O assassino era o escriba" in Caprichos & Relaxos, 1982


... qualquer classificação é opressora... toda a superfície do discurso ... é regida por uma rede de regras, de contingências, de opressões, de repressões mais ou menos pesadas ao nível da retórica, sutis e excessivas ao nível da gramática...
Roland Barthes, Lição, 1978


Pronominais*
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro

Oswald de Andrade, Pau Brasil, 1925
* O poeta canibal continua devorando os modernos e contemporâneos. Este seu poema faz pensar nas celeumas recentemente criadas em torno do livro do MEC sobre o ensino da nossa língua.

Homenageado da FLIP 2011, o poeta que funda a nossa modernidade foi assim lido por Antonio Cândido, ontem em Parati: "
Era um homem que tinha traços de gênio." Além de genial, Oswald é bastante sintático e afetivo. Como demonstra o Serafim Ponte-Grande: "Perdeu a sintaxe do coração e as calças."


Os adjetivos passam, e os substantivos ficam.
Machado de Assis, "Balas de Estalo" in Gazeta de Notícias,Rio de Janeiro, 1885

segunda-feira, 4 de julho de 2011

As histórias que contamos para saber quem somos

A cidade das palavras - Alberto Manguel
As histórias que contamos para saber quem somos


Ao longo de cinco capítulos, a obra propõe uma reflexão acerca das razões pelas quais somos movidos pela inevitável necessidade de ler e contar histórias e de como essas histórias nos ajudam a perceber nós mesmos e os outros.
Partindo da premissa de que a linguagem, a ficção e a literatura exercem papel decisivo na experiência humana, o autor resgata obras do passado e do presente na busca de definições de identidade nas palavras e do papel do contador de histórias nesse processo, determinando, delimitando e ampliando nossa imaginação do mundo.
Em sua investigação, Manguel relembra o mito de Cassandra, sacerdotisa grega a quem Apolo concedeu o dom da profecia, na condição de que ninguém jamais acreditasse em suas palavras. Evoca, ainda, as origens da escrita e das lendas, resgatando outras histórias.
Alberto Manguel afirma que a linguagem é nosso denominador comum e o que nos permite impor alguma ordem ao mundo; confere existência à realidade, constituindo um ato de evocação por meio de palavras e por meio daquelas versões dos acontecimentos reais conhecidas como histórias.
Segundo o autor, as histórias são a nossa memória, as bibliotecas são os depósitos dessa memória e a leitura é o ofício por meio do qual podemos recriar essa memória, transportando-a ou traduzindo-a para nossa própria experiência e permitindo-nos construir sobre os alicerces do que as gerações passadas quiseram preservar. Nesse sentido, as histórias não são contadas apenas por quem fala ou escreve, mas também por quem as ouve ou as lê.
A cidade das palavras sugere que essas histórias – e as leituras que delas fazemos, individual ou coletivamente – nos proporcionam tanto a liberdade de pensamento como a liberdade de expressão, dando-nos a possibilidade de constituirmos nossas identidades e de traduzirmos, nas palavras da literatura, o melhor do nosso esforço para imaginar a vida em comum em meio ao cenário multifacetado do século XXI.

Informações sobre Alberto Manguel e sua obra podem ser obtidas no website oficial do autor (http://www.alberto.manguel.com/) e em entrevista disponível no endereço

Texto retirado do Caderno de Leitura da UPF - 2011